domingo, 27 de março de 2011

Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens (1parte) In: Evangelização da Juventude. Doc. n° 85 da CNBB.

I. Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens
10. Conhecer os jovens é condição prévia para evangelizá-los. Não se pode amar nem evangelizar a quem não se conhece. Por esse motivo, iniciamos com alguns elementos das realidades juvenis, buscando conhecer a geração de jovens cuja evangelização se apresenta como um dos grandes desafios da Igreja neste início do século XXI. É necessário ter em conta a variedade de comportamentos e situações da juventude hoje e a dificuldade de delinear um único perfil da mesma no mundo e no Brasil. Além do mais, trata-se de uma situação exposta à oscilação constante, marcada ainda com maior impacto pela velocidade social das mudanças culturais e históricas, com as vulnerabilidades e potencialidades dos jovens, tudo isso confrontado com uma experiência significativa da Igreja quanto à evangelização da juventude.

1. As transformações culturais e os jovens
11. A modernidade abriu as portas do mundo para uma nova atitude do homem e da mulher face à vida, acentuando a centralidade da razão, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Num primeiro momento, a Igreja fragilizou-se ao resistir
à possibilidade de mudança, distanciando-se da juventude, da sua linguagem, de suas expressões e maneiras de ser e viver diante do avanço da modernidade. Uma das finalidades do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, era ajustar melhor as instituições da Igreja às necessidades de nosso tempo.
12. Nas últimas décadas, ao lado da cultura moderna vem-se fortalecendo a cultura pós-moderna. A pós-modernidade não é uma nova cultura que se contrapõe de modo frontal à modernidade. Constatam-se mudanças no cenário, grande velocidade e volume da informação, rapidez na mudança do cotidiano por parte da tecnologia, novos códigos e comportamentos. Devido à globalização e ao
poder de comunicação dos meios eletrônicos, essas mudanças vêm penetrando fortemente no meio juvenil.
13. A pós-modernidade não substitui a modernidade. As duas culturas vivem juntas. Os valores da modernidade continuam sendo importantes para os jovens: a democracia, o diálogo, a busca de felicidade humana, a transparência, os direitos
individuais, a liberdade, a justiça, a sexualidade, a igualdade e o respeito à diversidade. Uma Igreja que não acolhe esses valores encontra grandes dificuldades para evangelizar os jovens.
14. Os jovens de hoje e a Igreja em que vivem são influenciados pelos impactos da modernidade e da pós-modernidade. Alguns elementos deste momento histórico exercem grande influência na mentalidade, nos valores e no comportamento de todas as pessoas. Ignorar estas mudanças é dificultar o processo de evangelização da juventude — o grupo social que assimila esses valores e mentalidade com mais rapidez. Uma evangelização que não dialoga com os sistemas culturais é uma evangelização de verniz, que não resiste aos ventos contrários.
15. Dentre os muitos elementos da nova cultura pós-moderna que influem no processo de evangelização dos jovens e no fenômeno da indiferença de uma parcela da juventude face à Igreja, destacamos a subjetividade, as novas expressões da vivência do sagrado e a centralidade das emoções.

1.1 A subjetividade
16. A subjetividade, no contexto pós-moderno, particularmente em referência à juventude, merece estudos e conhecimentos aprofundados para que o diálogo e a linguagem estabelecidos com os jovens tenham impacto e força de convocação para o seguimento de Jesus. A evangelização da juventude exige atualização permanente do conhecimento da dinâmica de sua subjetividade. Há de se levar em conta a sua complexidade. Este conhecimento possibilitará um adequado tratamento do fenômeno do subjetivismo que gera, facilmente, a permissividade, o egoísmo, a identificação simples da felicidade com o prazer, a incompetência para lidar com a pluralidade de solicitações e ofertas, entre outras. Estas questões afetam a subjetividade humana, particularmente a juvenil.
17. O ideal coletivo dos anos 1970-1980 de construir um mundo melhor foi sendo substituído por uma maior preocupação com as necessidades pessoais, com os sentimentos, com o próprio corpo, com a melhora da auto-estima, com a confiança, com a libertação dos traumas etc. O ambiente de descrédito dos grandes ideais coletivos em que vivem faz com que segmentos da juventude tenham forte tendência de viver somente no presente, na cultura do descartável. Este fenômeno tem o efeito de se concentrar, no momento atual, na busca de sensações e emoções passageiras. Ao mesmo tempo, há outros segmentos que manifestam preocupação com um futuro mais próximo.
18. Nesse contexto faz-se necessário buscar um equilíbrio entre o projeto individual e o projeto coletivo. Os dois grandes movimentos de nosso tempo, o movimento pela justiça social e o movimento pela auto-realização, são metades de
um todo esperando para se unirem numa grande força de renovação.4 Porém, o equilíbrio deve ser promovido com muita sensibilidade, pois a auto-realização pressupõe a relação com o outro, com a comunidade. Ao mesmo tempo, de maneira alguma a comunidade deve ser sinônima de uniformidade.

1.2 As novas expressões da vivência do sagrado
19. Em tal conjuntura, acontece uma redescoberta da dimensão religiosa. Há a busca de uma espiritualidade que dá unidade e gosto à vida. Trata-se, entretanto, de uma religiosidade mais individual. Face a tanto medo, pressa e caos, muitas pessoas voltam-se para vários tipos de manifestações religiosas e místicas (ocultismo, nova era, esoterismo, horóscopos, astrologia...). Outras pessoas refugiam-se em grupos fundamentalistas em que as verdades são ensinadas de maneira dogmatizada, evitando, assim, a angústia da dúvida.
20. Embora esta mudança cultural possa oferecer uma terra fértil à religião, é importante analisar com cautela tais expressões do sagrado. A abertura para o transcendente não significa, necessariamente, uma aceitação das religiões organizadas. Muito fermento espiritual está sendo elaborado fora das instituições. Há estudos que demonstraram que muitos jovens estão procurando razões para
viver sem envolver-se com uma “Igreja”. Trata-se de uma espiritualidade centrada na pessoa e não a partir de uma vivência institucional e, por isso, busca-se algo que satisfaça suas necessidades.
21. No entanto, a mudança cultural abre uma porta para o processo de evangelização dos jovens. Hoje é mais fácil trabalhar a espiritualidade, em todas as suas dimensões, que na década de 1980, quando o tempo dedicado às celebrações e à oração era freqüentemente visto como algo secundário face à urgência da transformação social. É necessário, contudo, resistir à tentação de reduzir ou manipular a mensagem do Evangelho para ganhar mais adeptos.

1.3 A centralidade das emoções
22. Se antes se exaltava a razão, hoje se acentua a emoção. Se a importância dada às emoções é positiva, sua absolutização leva a um esvaziamento intelectual, do compromisso transformador e da consciência crítica, leva à superficialidade e à falta de perseverança, podendo facilmente conduzir ao fundamentalismo, que tem suas expressões dentro de todas as grandes religiões.
23. O fenômeno religioso que mais chama a atenção, dentro desse novo contexto cultural centrado nas emoções, é o crescimento do neopentecostalismo, que acentua a subjetividade e o elemento afetivo em sua metodologia de evangelização. Este fenômeno é mais visível pelo número de Igrejas pentecostais que nascem a cada dia, principalmente nas periferias das grandes cidades. Com
a diversificada oferta de escolha do sagrado, por parte do “consumidor”, a fé é regulada pelo mercado, de modo especial, pela TV. “A religião deixou de representar o espaço da relação do crente com Deus para se transformar em veículo de ascensão social ou em promessa de felicidade plena. Troca-se a elaboração analítica que exige a dor da busca e da reflexão por sessões de entretenimento religioso.”
24. A tendência de acentuar os sentimentos, no mundo contemporâneo, tem forte penetração no meio dos jovens e levanta questões importantes referentes à metodologia de trabalho pastoral. Por outro lado, à medida que aumenta o nível de escolaridade dos jovens, aumenta, também, a necessidade de uma base intelectual da fé; caso contrário, muitos acabam abandonando sua fé. É importante lembrar que as duas culturas continuam convivendo juntas: a modernidade, que acentua a razão, e a pós-modernidade, que acentua a centralidade das emoções.
25. Há necessidade de levar em conta os dois enfoques da cultura contemporânea e manter um equilíbrio entre os dois pólos: o racional e o emocional. Emoções, sentimentos e imaginação precisam ser integrados em uma metodologia que tenha objetivos claros. Ao mesmo tempo, a razão deve deixar espaço para as emoções e a imaginação. A mensagem do Evangelho precisa ser apresentada como resposta às dimensões da vida do jovem. A formação deve ser integral, isto é, considerar as diversas dimensões da pessoa humana e os processos grupais.

Nenhum comentário: