domingo, 27 de março de 2011

Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens (2parte) In: Evangelização da Juventude. Doc. n° 85 da CNBB.

2. Perfil da juventude brasileira
26. Nossa intenção é considerar a juventude com suas potencialidades para renovar a sociedade e a Igreja. A juventude é a fase do ciclo de vida em que se
concentram os maiores problemas e desafios, mas é, também, a fase de maior energia, criatividade, generosidade e potencial para o engajamento.
27. Com relação à juventude, a noção construída é bem recente. Para efeitos de políticas públicas, a idade adotada no Brasil vai dos 15 aos 29 anos, com divisão em subgrupos por agrupamento de interesses e afinidades, caminhando na linha da definição pela necessidade de afirmação dos direitos juvenis. “Trata-se de uma fase marcada por processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades, o que exige experimentação intensa em diversas esferas da vida”. Já não podemos mais olhar para a juventude como ciclo de breve passagem para a vida adulta. O período da juventude se alongou e seu transformou, “ganhando maior complexidade e significação social, trazendo novas questões para as quais a sociedade ainda não tem respostas integralmente formuladas”. Desse modo, incluir os jovens na Igreja, hoje, significa olhar para as múltiplas dimensões em que eles estão inseridos. Para, a partir daí, tratá-los como sujeitos com necessidades, potencialidades e demandas singulares em relação às outras faixas etárias. A juventude requer estrutura adequada para seu desenvolvimento integral, para suas buscas, para a construção de seu projeto de vida e sua inserção na vida profissional, social, religiosa etc. Tão importante, também, é olhar para a juventude conforme sua diversidade, “segundo as desigualdades de classe, renda familiar, região do país, condição de moradia rural ou urbana, no centro ou na periferia, de etnia, gênero etc.; em função destas diferenças, os recursos disponíveis resultam em chances muito distintas de desenvolvimento e inserção”.
28. Dentre o complexo perfil da juventude brasileira, destacamos alguns elementos que consideramos primordiais, na visão da realidade para a evangelização dos jovens: perfil socioeconômico, protagonismo e participação social, e perfil religioso.

2.1 Perfil socioeconômico
29. Para caracterizar a juventude, as estatísticas brasileiras geralmente seguem os parâmetros de organismos internacionais, considerando o grupo etário de 15 a 24 anos. Em 2000, no último recenseamento geral da população, estavam nessa
faixa etária cerca de 34 milhões de pessoas, o que representa 20% da população brasileira. Se acrescentarmos a esse contingente os indivíduos de 25 a 29 anos, em geral designados pelos demógrafos de “jovens adultos”, teríamos um total de
47 milhões. A juventude brasileira é marcada por uma extrema diversidade e manifesta as diferenças e as desigualdades sociais que caracterizam nossa sociedade. Trata-se de um contingente populacional bastante significativo, em idade produtiva, que se constitui em uma importante força a ser mobilizada no processo de desenvolvimento de nosso país.
30. Dentre as várias diferenciações que recortam a juventude, estão as de classe social, cor e etnia, sexo, local de moradia, as diferentes situações de responsabilidade face à família, além das variações relativas ao gosto musical ou estilo cultural e as pertenças associativas, religiosas, políticas.
31. Há jovens que têm um padrão de vida elevado, mas são uma minoria. A maioria dos 34 milhões de jovens brasileiros representa um dos segmentos populacionais mais fortemente atingidos pelos mecanismos de exclusão social. As estatísticas demonstram que a juventude é um dos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira. Ela é especialmente atingida pelas fragilidades do sistema educacional, pelas mudanças no mundo do trabalho e, ainda, é o segmento etário mais destituído de apoio de redes de proteção social.
32. Eis alguns dos principais problemas com os quais se deparam, hoje, os jovens brasileiros:12 a disparidade de renda; o acesso restrito à educação de qualidade e frágeis condições para a permanência nos sistemas escolares; o desemprego e a inserção no mercado de trabalho; a falta de qualificação para o mundo do trabalho; o envolvimento com drogas; a banalização da sexualidade; a gravidez na adolescência; a AIDS; a violência no campo e na cidade; a intensa migração; as mortes por causas externas (homicídio, acidentes de trânsito e suicídio); o limitado acesso às atividades esportivas, lúdicas, culturais e a exclusão digital.
33. O impacto da pobreza, em uma sociedade que sacraliza o consumo, relativiza os valores, atinge a família, o primeiro lugar de socialização do jovem. Cresce o número de homens e mulheres que não fundam lares estáveis, levando o núcleo
familiar a se desintegrar. Essa situação deixa fortes cicatrizes emocionais na personalidade de muitos jovens em um momento crítico de suas vidas. Impressiona o número de jovens nas comunidades juvenis que enfrentam problemas emocionais sérios.
34. Destacam-se três marcas da juventude na atualidade: o “medo de sobrar, por causa do desemprego, o medo de morrer precocemente, por causa da violência, e a vida em um mundo conectado,por causa da Internet”. O sentido e a dureza dessas marcas anseiam por uma Boa Notícia que, a partir de um olhar de fé, pode ser encontrada no interior da própria juventude.
35. Esse quadro aponta a necessidade de promover mudanças mais profundas e estruturais no modelo de desenvolvimento econômico-social adotado no país, com reorientação de investimentos que garantam os direitos básicos da população — aos jovens em particular — nas áreas de educação, criação de empregos, infra-estrutura urbana, saúde, acesso à cultura e ao lazer, que têm repercussões na situação de segurança pública. João Paulo II acusou o liberalismo de “subordinar a pessoa humana e condicionar o desenvolvimento dos povos às forças cegas do mercado, sobrecarregando desde seus centros de poder aos países menos favorecidos com cargas insuportáveis”. No mesmo discurso o Santo Padre considerava que o neoliberalismo causou o “enriquecimento exagerado de uns poucos à custa do empobrecimento crescente de muitos, de forma que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”.

2.2 Protagonismo e participação social
36. Duas imagens da juventude predominam nos meios de comunicação e na opinião pública. De um lado, as propagandas e as novelas apresentam os jovens como modelos de beleza, de saúde e de alegria, despreocupados, e impõem padrões de vida e de consumo aos quais poucos jovens realmente têm acesso. Os jovens também são caracterizados pela força, ousadia, coragem, generosidade, espírito de aventura, gosto pelo risco. De outro, nos noticiários, estão os jovens envolvidos com problemas de violência ou comportamentos de risco, que são, na maioria das vezes, negros e oriundos dos setores populares.
37. Essas duas imagens polares convergem para o mesmo senso comum que considera a juventude individualista, consumista e politicamente desinteressada. Mas esses são estereótipos que não dão conta da diversidade de experiências da juventude brasileira. Por um lado, é verdade que: a) segundo pesquisas da Unicef, 65% dos adolescentes (de 12 a 17 anos) nunca participaram de atividades associativas e/ou comunitárias;16 b) de acordo com um levantamento nacional recente, realizado pelo Instituto Cidadania, entre jovens de 15 a 24 anos de todo o Brasil,17 apenas uma minoria participa formalmente de movimentos estudantis, sindicatos, grupos religiosos, associações profissionais e partidos; 15% dos jovens participam de algum agrupamento juvenil.
38. No entanto, atualmente no Brasil há uma série de novas formas de participação juvenil, entre as quais podemos destacar: a) a pertença a grupos (pastorais, movimentos eclesiais, novas comunidades, redes, ONGs e outras organizações juvenis) que atuam para transformar o espaço local, nos bairros, nas favelas e periferias; b) a participação em grupos que trabalham nos espaços de cultura e lazer: grafiteiros, conjuntos musicais, de dança e de teatro de diferentes estilos, associações esportivas; c) mobilizações em torno de uma causa e/ou campanha: grupos ecológicos, comitês da Campanha contra a Fome, ações contra a violência e pela paz, grupos por uma outra globalização etc.; d) grupos reunidos em torno de identidades específicas: mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência.
39. Para além do discurso corrente de que os jovens de hoje não participam, são desinteressados e alienados, alguns estudos recentes têm demonstrado que os jovens desejam participar ativamente da vida social, têm muitas sugestões do que deve ser feito para melhorar a situação do país e querem dar sua contribuição. Entretanto, não encontram espaços adequados: as formas de participação presentes na sociedade e no Estado são percebidas pelos jovens como muito distantes de sua realidade cotidiana.

2.3 Perfil religioso
40. Constata-se que o perfil religioso do jovem brasileiro é semelhante ao da população. Segundo o Censo de 2000, os católicos no país eram 73,8% da população. Entre os jovens de 15 a 24 anos, eram 73,6%. Enquanto no conjunto da população a presença evangélica representava 15,5%, entre os jovens a adesão às Igrejas evangélicas era um pouco menor: 14,2%. A maior diferença encontrava-se no grupo que se identificava como “sem religião”: na população, 7,4%, e entre os jovens: 9,3%.
41. Embora expressivo, este dado não deve ser interpretado como um avanço do ateísmo entre a juventude brasileira. A maioria desses jovens vive alguma experiência religiosa. Alguns estudos têm demonstrado que a grande maioria dos jovens sem religião acredita em Deus ou tem outras crenças e, portanto, são inspirados por uma mística, muito embora não estejam vinculados a uma instituição religiosa em particular.
42. Além disso, fenômenos que marcam a dinâmica do campo religioso na atualidade são intensificados quando se trata da população jovem, como a busca contínua por uma expressão de fé que dê sentido às suas vidas (o que acelera o trânsito religioso); a atração por manifestações religiosas exóticas; e a elaboração de sínteses pessoais a partir do repertório de crenças e práticas disponíveis em vários sistemas religiosos. Nesse contexto, florescem espiritualidades relacionadas à idéia do estabelecimento de uma “Nova Era”, que integraria o ser humano ao cosmo, em uma dimensão holística, e responderia a preocupações
desde aquelas relativas à saúde física e psíquica, com as correspondentes práticas terapêuticas, até o respeito e defesa da biosfera.
43. Isso se dá em uma fase do ciclo vital em que as pessoas costumam se questionar acerca de vários aspectos de suas vidas: caminhos profissionais, continuidade dos estudos, relacionamento afetivo. É recorrente a experimentação em muitos desses âmbitos originando vínculos provisórios. Também a adesão religiosa torna-se campo de reflexões e experiências. Muitos jovens colocam em xeque a herança religiosa recebida na família, o que tem levado a diferentes percursos: a opção consciente pela tradição religiosa na qual foram educados; o rompimento com essa herança — que pode se traduzir na conversão a outro sistema religioso ou a desvinculação religiosa. Inclusive, tem-se verificado que jovens que não passaram por uma socialização religiosa têm aderido a diferentes grupos religiosos.
44. Muitos jovens ligados às instituições religiosas dispõem generosamente de seu tempo livre para desenvolver as atividades de seu grupo. Também porque nessas ocasiões costumam estar em contato com outros jovens e se alegram nesta convivência. Tal disponibilidade fica reduzida quando os jovens iniciam os estudos universitários ou a vida profissional ou, ainda, quando associam trabalho
e estudo. Sem negar as motivações religiosas desta busca de participação no grupo, são manifestações que se iniciam com força na adolescência, na descoberta de outras realidades além da família, onde possam construir sua autonomia e sua independência. Daí, a importância pedagógica e teológica de um acompanhamento adaptado da vivência grupal nessa fase.
45. A preocupação com a evangelização da juventude leva-nos, também, a olhar a crescente busca dos adolescentes21 por espaços grupais. Na ausência de uma proposta evangelizadora que corresponda às necessidades dos adolescentes, estes acabam se inserindo nos grupos destinados aos jovens. Neste cenário, muitas vezes provocador de respostas equivocadas para adolescentes e também
para jovens, necessitamos conhecer e aprofundar os elementos que marcam a vida destes sujeitos, para que a evangelização possa oferecer propostas diferenciadas, segundo cada realidade.
46. Sensíveis às manifestações artísticas e culturais da sociedade contemporânea, jovens de diferentes identidades religiosas aderem com entusiasmo a eventos semelhantes no âmbito religioso (shows, concentrações em estádios etc.). Assim tem crescido o número de bandas e artistas religiosos.
47. Em nossa Igreja há uma presença significativa de jovens em vários setores da vida eclesial: nas comunidades eclesiais de base e nas paróquias, participando das equipes de liturgia e de canto, atuando como catequistas, em diversas pastorais. Estão presentes também nas pastorais da juventude, nos movimentos eclesiais, nas novas comunidades e nas diferentes iniciativas promovidas pelas congregações religiosas e institutos seculares.
48. Muitas vocações sacerdotais e religiosas e para outros ministérios eclesiais têm sido suscitadas por essa participação. Chama a atenção o fato de que um número crescente de jovens esteja buscando propostas vocacionais exigentes nos campos da contemplação e da ação. Outro traço a destacar é a responsabilidade e a seriedade com que muitos jovens católicos, animados pela sua fé, têm abraçado a dimensão do serviço, seja no cuidado aos mais pobres, seja na atuação em movimentos e organizações sociais com vistas à construção de uma sociedade justa e solidária. No entanto, nem sempre os jovens atingidos pela ação pastoral da Igreja na catequese crismal, grupos de jovens e em outras iniciativas pastorais têm sido conquistados para um sólido engajamento na comunidade de fé
e muitas vezes eles não se sentem acolhidos em algumas paróquias.

3. Valor da experiência acumulada da Igreja
49. Diante do desafio de evangelizar a juventude contemporânea, a Igreja não está começando do zero. Há um caminho histórico percorrido por ela que revela uma herança muito rica. Há uma corrente através da qual uma geração de jovens e agentes evangelizadores adultos passa a experiência acumulada para outra. A Igreja Católica é uma das organizações que têm mais experiência acumulada e sistematizada no trabalho com a juventude. É importante resgatar essa experiência, estando atentos aos sinais dos tempos. Em cada época, à medida que mudavam os desafios, os enfoques, os valores e o ambiente cultural da sociedade, a mentalidade dos jovens também mudava. Os jovens são mais sensíveis às mudanças e propensos a aceitar o novo. Tudo o que acontece na sociedade tem seus reflexos na ação evangelizadora da juventude. Os jovens que são atingidos pela ação evangelizadora estão inseridos simultaneamente na sociedade e na Igreja.
50. Em cada época há necessidade de adequar as concepções e as práticas de evangelização para se relacionar com os jovens. Se a Igreja apresentou uma proposta que se tornou predominante, não significa que todos os jovens tenham aderido a ela. Aprendemos com as conquistas e os erros do passado.22 Nem tudo muda de uma época para a outra. Mudam, às vezes, os enfoques, o ponto de partida, alguns elementos da metodologia, sendo que outros permanecem. Na Igreja do Brasil, muitas forças pastorais atuam junto aos jovens e com eles. Cada uma delas tem a sua própria riqueza e contribui, no interior da Igreja, para a evangelização da juventude. Destacamos entre elas as pastorais da juventude, os movimentos eclesiais, o serviço pastoral das congregações e as novas comunidades. Reconhecemos que a evangelização dos jovens é obra de muitas mãos, inclusive com a contribuição da Pastoral Familiar, Pastoral Vocacional, Pastoral Catequética, ação missionária.

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