terça-feira, 12 de abril de 2011

Capítulo 10 - NO CÁRCERCE DE MAQUERONTE

A voz do profeta João, clamando por justiça e anunciando a chegada do Libertador de Israel, era cada dia mais firme e mais apressada. Os que iam escutá-lo sentiam como se o profeta tivesse pressa, como se soubesse que seus dias estavam contados...

Batista: Abram bem os olhos! Tenham as mãos preparadas, para que quando venha aquele que há de vir, vocês o reconheçam e saiam ao seu encontro!... Ninguém deve pensar: já me batizei, já me purifiquei no rio, isto basta! Batizar-se não é fim de caminho, mas começo! Quando o Messias chegar terá começado a libertação de Israel. E todos teremos de segui-lo e colaborar com ele! Quando vier...
Uma mulher: Ai, caramba, acho que já estou ouvindo as trombetas do Messias! Você não está escutando, patrício, esse barulho?
Um homem: Deixe de conversa mole, mulher e preste atenção no que o profeta está falando...
Uma mulher: Ouça, patrício, eu não estou surda, não! Pois eu lhe digo que por aí vem chegando a caravana do Messias!
Um rapaz: Olhem lá! É o Messias que já vem!
Todos: O Messias! Profeta João, aí vem o Messias!

Pelo caminho que descia de Jericó, vinha uma longa caravana de camelos, muito enfeitados e muito luxuosos. Abria a caminhada um grupo de escravos com trombetas e vestidos de seda. Mas não, não era o Messias que se aproximava. Era o rei Herodes e sua corte que se transladavam para o palácio de Maqueronte, na outra margem do Jordão, junto ao Mar Morto. Para chegar até lá, tinham de passar perto de Betabara.

Um homem: Senhora, se esse é o Libertador que esperamos, então já podemos morrer... É Herodes e sua gente!
Uma mulher: Olhe só como balança a carroça...! Esse aí está bem gordo...
Um homem: E que se arrebente!

Herodes Antipas era o governador da Galiléia, o último dos filhos de Herodes o Grande. Seu pai se fizera odiar pelo povo por causa dos impostos tão pesados com que nos havia oprimido. E como tal pau, tal lasca, este Herodes, seu filho, era também um homem sem escrúpulos, um homem injusto e cheio de vícios, que vivia de costas para Deus e de costas para o sofrimento de seu povo.

Um homem: Ei, profeta João, o rei Herodes vem vindo por aí!
Uma mulher: Eu não acredito que esse sujeito se atreva a vir até aqui...
Um homem: Deixe-o, senhora. De repente ele vai querer batizar-se e, gordo como está, acabará afundando nas águas do rio...
Uma mulher: Ou nós todos o afundamos.

O profeta João havia ficado estranhamente calado olhando a passagem da caravana. Mas a carroça em que ia Herodes não se aproximou. Herodes era um homem muito supersticioso e tinha medo daquele profeta de longos cabelos e de palavra como espada, de quem já ouvira contar tantas coisas. A caravana seguiu seu caminho até o palácio de Maqueronte. Mas enquanto os camelos ainda eram vistos de longe, João saiu de seu silêncio e, com a força de um raio, virou-se para todos os que enchiam as margens do rio...

Batista: Até aqui chega o seu cheiro!... Cheira a podre!... Quando o pescado apodrece começa a feder pela cabeça. As injustiças deste país já são demasiado grandes... Fedem! E fedem mais que tudo, as cabeças deste país! Herodes fede!... Seu reino está corrompido. Está construído sobre o sangue dos inocentes e sobre o suor dos pobres... Mas seu trono não está firme! Está todo comido pelo cupim!... Do jeito que eu quebro este bastão velho, assim Deus quebrará o trono do rei Herodes! Cairá, o trono de Herodes cairá!... Será derrubado entre gritos de alegria, quando chegar o Libertador de Israel!... Vocês verão isso acontecer com seus próprios olhos!... Vocês verão e se alegrarão!

João continuou falando ao povo de todos os crimes e abusos daquele rei injusto. Mas havia ali no Jordão, entre as pessoas, partidários de Herodes, espiões seus. E aconteceu o que era de se esperar...

Herodes: Então ele disse tudo isso de mim? Que pena, teria gostado de ouvi-lo... Seja de que jeito for, gosto que falem de mim...
Servente: Ele também disse que... sss ... sss ...
Herodes: Como...? Insolente!
Servente: E que o senhor não pode viver com ... sss ... sss...
Herodes: Mas como esse cabeludo se atreveu a dizer isso...?! E diante de tanta gente!
Servente: A rainha está como se mil demônios a agarrassem...
Herodes: Este homem conspira contra o meu governo! É um perigo que ande solto!
Servente: Dizem que ele é um grande profeta, um enviado do Deus Altíssimo...
Herodes: Bah, besteiras! Os profetas já acabaram faz tempo... E se não acabaram, vão se acabar agora!... Tragam-me imediatamente esse João, filho de Zacarias!
Servente: E se o povo que está com ele resistir?...
Herodes: O povo!... Eu me rio do povo... O povo late muito e morde pouco... Que a tropa vá armada, em todo caso.
Servente: E quando devem sair, rei Herodes?
Herodes: Agora mesmo! O quanto antes! Já estou impaciente para ver a cara desse famoso profeta do deserto...

E assim foi. Herodes mandou prender João e o levou amarrado até o cárcere que tinha em seu palácio de Maqueronte. As pessoas que se amontoavam às margens do Jordão, que viram como o levaram, tentaram impedir, mas nada puderam contra os soldados de Herodes. As mulheres choravam desesperadamente e se lamentavam: uma vez mais os donos do poder e da força haviam calado o grito dos profetas. Poucos dias depois, as margens do Jordão voltaram a ficar vazias e silenciosas, como estavam antes que a poderosa voz de João se aproximasse delas, para enchê-las de vida e esperança. Herodes mandou trancar João nos calabouços do palácio de Maqueronte. Nesses calabouços estreitos e escuros muitos outros presos consumiam sua vida em intermináveis condenações...

Herodes: Estava morrendo de vontade de ver essa sua cabeleira, João, filho de Zacarias...
Batista: Eu também tinha muita vontade de te ver, Herodes Antipas, filho do malvado Herodes o Grande.
Herodes: Para você ver como é a vida... Até ontem você era “o profeta”... agora não é mais que um rato na minha ratoeira... O que é que você anda dizendo de mim por aí, heim?... Responde.
Batista: Disse o que todo mundo já sabe. Que você é um rei injusto e que Deus botará abaixo o seu trono. E disse também o que você anda fazendo ultimamente: vivendo com sua cunhada, a mulher de seu irmão Felipe!
Herodes: Herodíades é minha mulher!!
Batista: Herodíades, que é tão sem-vergonha quanto você, é a mulher de Felipe! Você roubou de seu irmão essa mulher! Devolve-a!
Herodes: Mas você, como se atreve a falar-me assim?...
Batista: Como você se atreve a brincar com as leis de Deus?

O rei Herodes começou a morder as unhas. Estava muito nervoso. Os olhos de fogo do profeta João o assustavam...

Herodes: João... Profeta João... Quem é você...? Quem o ensinou a falar assim ao povo...? É você...? É você o Messias?... Fala! Não fique mudo!...
Batista: Eu não sou o Messias. Eu anuncio o Libertador de Israel. Ele já vem. E quando chegar, lhe arrancará a coroa e o deixará de cueiros diante do povo, e lhe jogará na cara suas injustiças e seus vícios!
Herodes: E onde está esse Messias...? Quem é esse Libertador de Israel? ... Quero conhecê-lo!
Batista: Você não o verá! Seus olhos estão sujos demais para vê-lo.
Herodes: Farei com que lhe arranquem a língua e a joguem aos cães!
Batista: Você é que está com medo, Herodes. Os abusos que cometeu contra esse povo pesam sobre suas costas. E você tem medo. Sabe que Deus não vai ficar calado diante de todos os seus crimes.
Herodes: Eu não tenho medo! Eu não tenho medo! De quem vou ter medo? De você, que é um charlatão embusteiro?
Batista: Você tem medo da verdade!
Herodes: Não, não, meus soldados me defendem! Tenho exércitos, tenho palácio, tenho poder! Agora tenho também um profeta! rá, rá, rá! Por que não me diz nada?
Batista: Já lhe disse tudo. Devolve Herodíades a seu irmão Felipe. E então falaremos.
Herodes: Herodíades é minha mulher! Eu quero Herodíades! Quero Herodíades! É minha!
Batista: Não é sua. Você não tem o direito de viver com a mulher de seu irmão!
Herodes: Nem você tem o direito de levantar a voz contra mim!... Diante de quem você pensa que está? Eu sou o rei da Galiléia e você tem de me respeitar!
Batista: Respeitar você...? Você?... Agora sou eu quem dá risada... Um homem repleto de todos os vícios, que subiu ao trono à custa de intrigas e subornos e que mantém seu governo sobre um charco de sangue... Você vem me falar de respeito...?
Herodes: Eu sou a autoridade! Você tem de me obedecer!
Batista: A única autoridade a quem eu obedeço está no Céu. Você foi parido de uma mulher como todo mundo. Nasceu nu, como todos. E os mesmos vermes que comem a todos, comerão você também.
Herodes: Cale-se já! Cale-se!...
Batista: Meu único rei é de lá de cima! Ele é o único a quem obedeço!
Herodes: João... Você não gostaria de sair daqui e... e voltar a falar ao povo? Podemos chegar a um acordo. Não quer voltar ao Jordão e continuar se fazendo de profeta...? Você sabe que está em minhas mãos. Se quiser, posso deixá-lo livre!
Batista: Não, Herodes. Você se engana! Não estou em suas mãos. Estou nas mãos de Deus! As suas estão vazias... manchadas e vazias. E logo estarão amarradas. Seu poder se acaba, Herodes. Vem aí o Libertador de Israel e seu poder se acaba...
Herodes: Dê-me outro copo de vinho, Herodíades...
Herodíades: Você está bebendo muito hoje, Herodes... Está acontecendo alguma coisa?
Herodes: Nada. Nada. O que pode estar acontecendo comigo?...
Herodíades: Eu o conheço muito bem... A mim você não engana... Você anda é preocupado com esse profeta João que está preso lá no calabouço...
Herodes: Não me fale de profetas... Você não sabe nada disso... Os profetas são sagrados.
Herodíades: Rá! Sagrados! O que se deve fazer com esses tipos é cortar-lhes o pescoço com um só golpe!...Por que você não faz isso, Herodes? Por que não corta o pescoço desse João?
Herodes: Cale-se!
Herodíades: Se gostasse de mim você faria isso... Mas você não me quer... Já não o agrado mais?
Herodes: Me agrada muito, Herodíades... gosto muito de você... hummmm!
Herodíades: Você tem medo dele? Não precisa ter medo... No dia em que cortar o pescoço desse homem, você voltará a ser o mesmo de antes... Um rei poderoso e forte que não tem inimigos porque os tira todos da frente...

O rei Herodes queria matar João, tirar, eliminar aquela voz que se tornara tão incômoda. Mas tinha medo do povo, porque todos em Israel sabiam que João era um profeta que falava da parte de Deus.



Nos Evangelhos se fala de dois Herodes, Herodes o Grande que, aliado com os romanos,
governou tiranicamente o país desde o ano 37 antes de Jesus, e a quem se atribui a matança dos inocentes. À sua morte, quatro anos depois do nascimento de Jesus, o país se dividiu entre seus filhos. Herodes Antipas, o mais novo, foi contemporâneo de João Batista e de Jesus.
Herodes Antipas foi posto como governador da província do norte de Israel, Galiléia, e
também da zona de Peréia, na margem oriental do Jordão. O título que lhe deram foi de
“tetrarca”, mas o povo o chamava comumente de “rei Herodes”. Embora estivesse casado
com uma princesa árabe, Herodes Antipas se tornou amante de Herodíades, esposa de seu irmão Felipe. Essas relações chegaram até a provocar uma guerra na qual morreram muitos inocentes. Mas o rei era um homem ambicioso e sem nenhum escrúpulo. Os dados históricos que se tem dele o descrevem como um esbanjador, cruel com todos os que se lhe opunham – e eram muitos - e supersticioso. Era também um colaboracionista dos romanos, donos do país, que o mantinham no trono em troca de uma grande soma de dinheiro: em nome dos romanos, Herodes Antipas cobrava os impostos do povo, no território da Galiléia e da Peréia.
Entre as muitas denúncias que João Batista fez da corrupção do sistema de seu tempo, está a que foi dirigida contra Herodes Antipas, a quem acusava publicamente de viver em adultério com sua cunhada. A denúncia de João não era um simples “moralismo”: o adultério do rei era como o último fruto de uma árvore totalmente podre. O reino de Herodes estava corrompido pelas injustiças, pelo desperdício, o roubo, os crimes... não existia a menor moral política e social. Era isso que João condenava aos gritos.
Herodes, que cumpria com as normas religiosas judaicas, se transferia para as festas a seus palácios de Maqueronte e Jerusalém, para poder ir ao Templo e, ali, rezar e cumprir a Lei. Foi numa dessas ocasiões que mandou prender João. Herodes temia o movimento popular que o profeta estava desencadeando e desejava vingar-se de João que não cessava de acusá-lo diante do povo. Maqueronte era uma fortaleza construída à margem oriental do Mar Morto, na Região da Peréia. Herodes o Grande a fortificou amplamente e a enriqueceu com um magnífico palácio uns vinte anos antes de Jesus nascer.
Seu filho, Herodes Antipas, celebrava ali grandes festas. Nos calabouços daquela fortaleza esteve preso João Batista e ali foi assassinado pelo rei. No ano 70, a fortaleza foi destruída pelos exércitos romanos. Hoje só se conservam ruínas. Herodes teme João, mesmo preso, porque o profeta, com grande liberdade, sem medo de morrer, o enfrenta e lhe joga na cara suas injustiças.
(Mateus 14; Marcos 6,14-20; Lucas 9,7-9)

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