quarta-feira, 13 de abril de 2011

Capítulo 11 - RUMO À GALILÉIA DOS GENTIOS

Quando Jesus saiu do deserto, tinha os pés inchados, umas olheiras enormes e o cabelo e a barbacheios de areia. Apesar do cansaço e da fome, trazia o coração contente. E tinha pressa. Despediu-se do velho samaritano que o havia recolhido em seu camelo e voltou ao Jordão...

Jesus: Tenho de ver João... Tenho de falar com ele... E direi: João, estou decidido a servir a meu povo. Por onde devo começar?... O que tenho de fazer?... Quer que eu fique aqui batizando com você?... Estou disposto a tudo... Já não tenho medo... bem, sim, tenho medo, mas estou disposto a tudo... Deus me encheu de coragem no deserto...

Mas quando Jesus chegou a Betabara, na curva do rio onde João batizava, viu que na margem do Jordão não havia ninguém... Tudo estava vazio. Já não havia batismos nem caravanas de peregrinos. João não estava mais lá. De longe, Jesus viu um par de mulheres e correu para perguntar-lhes:

Jesus: Ei, vocês duas, esperem!... Não fujam, não quero lhes fazer nenhum mal... esperem!
Madalena: Você tem a cara de louco ou de leproso. Quem é você?
Jesus: Acontece que eu venho do deserto e... bem, é por isso que estou sujo e... Mas não se assustem. Esperem...
Velha: O que foi, meu rapaz? A polícia de Herodes está atrás de você também?
Jesus: Não, vovó, vim procurar o profeta João e... o que aconteceu por aqui?
Velha: Está igual a esta aí. Ela também chegou quando terminou o negócio. A vida é assim...
Jesus: Mas diga-me: o que houve? Onde está João?... Onde está todo mundo?
Madalena: O rei Herodes levou o profeta. E o Jordão ficou vazio.
Jesus: Quer dizer que Herodes prendeu João?
Velha: Você não sabia? A notícia correu como labareda por todo o país. Ai, que desgraça tão grande, meu Deus!
Jesus: Mas, como essa raposa se atreveu? Com que direito?
Madalena: Com o direito da força. Mandou seus soldados com chicotes e espadas... E levaram o profeta amarrado ao rabo de um cavalo.
Jesus: E para onde o levaram, caramba, ele não tinha medo nem de Herodes nem de qualquer diabo que se pusesse à sua frente.
Velha: Pois o prenderam e qualquer dia desses o matarão. Que calamidade, meu Deus! Mas o jeito é se conformar. Acabou-se o profeta!
Madalena: Diga melhor, que acabou-se seu negócio de rosquinhas, velha Rute. Isso lhe dói mais que as correntes do batizador.
Velha: Essa é boa!... Responda-me, rapaz: sou uma pobre viúva que ganhava a vida vendendo rosquinhas aos penitentes que se batizavam...
Madalena: E que saíam do rio com mais fome do que arrependimento.
Velha: Está bem, mas se eu podia vender minhas coisinhas graças às pessoas que vinham escutar João, que mal há nisso?
Jesus: Está certo, vovó. A uns o profeta ajudava com suas palavras e a você ajudou melhorando seu negócio!
Madalena: Pois a mim não me ajudou em nada! Viagem perdida!
Jesus: Você veio batizar-se com João?
Madalena: Bem, sim... sim, quero dizer...
Velha: Ela está rindo porque... bem, dá pra ver as pinturas que ela tem nas bochechas... Os homens de Cafarnaum correram para ver o profeta e esta aqui correu atrás dos homens de Cafarnaum, rá, rá, rá...
Madalena: O que você quer que eu faça? Cada um vive como pode, não é, patrício?
Velha: Quando chegou aqui já haviam espantado seus clientes... Ficou tudo vazio... Que azar, heim, Maria?!
Jesus: Se chama Maria?
Madalena: Sim, e você?
Jesus: Jesus. E apesar dessa minha cara horrível, sou boa pessoa. Eu lhe garanto!
Velha: Você fala como os galileus. Você também é de lá, como esta?
Jesus: Sim, sou de Nazaré, um vilarejo do interior.
Madalena: Pois eu sou de Magdala, junto ao lago.
Velha: Não precisa nem dizer! As madalenas se conhece pelo perfume...
Jesus: Você não falou antes de Cafarnaum?
Madalena: Bem, eu nasci em Magdala, mas logo minha mãe morreu, fiquei só... Agora vivo em Cafarnaum. E trabalho no que posso.
Velha: Trabalha de rameira para todos esses pescadores sem-vergonhas que vivem no cais!
Jesus: Puxa, que coincidência! Há alguns dias conheci um grupo de amigos que são de lá... Talvez você até os conheça...
Madalena: Pode estar certo que sim. Conheço todos os homens de Cafarnaum... Como eles se chamam?
Jesus: Pedro, Tiago, João e André...
Madalena: Como não haveria de conhecê-los!... André é um pouco sério, mas esses dois
“irmãozinhos” Tiago e João... se você os vir numa esquina, suma pela outra... E esse Pedro, então... é melhor nem falar!
Jesus: Pois eles me pareceram muito simpáticos....
Madalena: Eu não fui com a cara deles... começaram a meter a língua em mim... Quero
distância desses caras. E falei isso bem na cara deles: “com vocês eu não quero nadinha de nada e antes de falar comigo outra vez, lavem bem a boca primeiro”...
Velha: Quem a escuta falar assim, chega até a pensar que você é uma grande senhora!
Madalena: Eu não sou. Mas esse patrício tem cara de gente decente! Cá entre nós: não se meta com essa cambada e nem apareça pela casa deles. Escute bem o que eu digo...
Velha: Ai, quem tinha cara de gente decente era o projeta João! Que olhar, que jeito de falar! Era um enviado do próprio Deus, isso eu lhes digo!. Mas agora... esse país se afundou!. Israel ficou que nem um menino órfão. Já não há profeta que lhe dê a mão, que o guie e o ensine a caminhar. Estamos perdidos!
Jesus: Não fale assim, vovó! João abriu o caminho. Nós temos de continuá-lo.
Velha: Não, meu filho, isso já se acabou. João era a nossa voz, a voz dos pobres. Você nunca o ouviu? Ele gritava, gritava forte! E sabe por que? Porque tinha mil vozes na garganta, as vozes de todos nós, os infelizes, os que nunca tivemos o direito de falar... Quem vai reclamar justiça para nós agora, diga-me?...
Jesus: Nós mesmos, vovó. Sim, por que não? Agora nós temos de fazer soar nossa própria voz, a voz dos que não têm nada. Sim, sim, temos: temos Deus do nosso lado. Deus luta conosco.
Velha: João falava sempre de um libertador grande e forte que viria depois dele... Mas, veja: ele está preso e o outro não chega!
Jesus: Mas chegará, vovó! Chegará o Messias e chegará o Reino de Deus. Agora o que é preciso é não perder a esperança!
Velha: Não, meu rapaz, o que é preciso é que outro pegue o bastão do profeta e siga seu
exemplo e continue falando ao povo como João.
Madalena: Mas, onde estará esse valente? Heim? Quem se atreverá? Bah, neste país já não se fazem homens como João, minha querida!
Jesus: Pois eu creio que se faz. Eu creio que muitos estariam dispostos a dar sua vida pela justiça. Mas estão esperando um sinal para começar. Estão esperando alguém que lhes diga: “Está na hora, companheiros, o Reino de Deus está próximo! E com ele vem nossa Libertação”!... João está preso. Mas o Messias anda solto. Está chegando!... Não o sentem em seus corações?... Alegre-se, vovó, e você também, Maria. Logo seremos livres!
Madalena: O que você está dizendo? Hummm... Parece que o sol do deserto lhe queimou a moleira.
Velha: Venha, meu rapaz, você deve estar muito cansado. Minha casinha fica aqui perto. Maria e eu lhe prepararemos alguma coisa pra comer... Vamos...
Jesus: Obrigado por tudo, vovó. Já tenho de ir embora. Me esperam na Galiléia.
Velha: Você gostou das minhas rosquinhas?
Jesus: Estavam muito gostosas, pode crer!
Velha: Então pega mais essas...
Velha: Leve algumas para sua mãe também. E diga-lhe que vão da parte de uma velha que vive junto ao Jordão e que a quer muito.
Jesus: Mas a senhora nem conhece minha mãe...
Velha: Não importa. Conheci você. E achei você muito simpático, rapaz. Sua mãe deve ser igual...
Madalena: Adeus, Jesus. Eu vou para a Galiléia na próxima semana. Se alguma vez passar por Cafarnaum... bem, venha visitar-me se não tiver vergonha de entrar na minha casa.
Jesus: Claro que irei, Maria. Adeus, vozinha!... Quando o Messias chegar, receba-o com essas rosquinhas de mel. Elas lhe alegrarão o coração tanto quanto alegraram a mim...
Velha: Adeus, meu filho, adeus!... Boa viagem!

E Jesus empreendeu o longo caminho de regresso para o Norte, rumo à Galiléia dos gentios. Ia cansado, com as sandálias esfarrapadas e a túnica meio rasgada. Mas a fadiga não o impedia de avançar. Ao contrário, ia mais depressa que nunca...

Jesus: Alguém precisa recolher a voz de João... Alguém precisa dar esperança ao povo...
Senhor, mande logo o Libertador!... Onde está este outro que virá?... Não podemos começar a trabalhar enquanto o esperamos?... As espigas já estão maduras, é preciso começar a colheita... Eu não posso continuar esperando mais... Tenho de fazer alguma coisa já... Tenho de seguir o exemplo de João.... Jesus caminhou muitas horas pela beira do rio. No segundo dia, antes de escurecer, chegou à altura de Gadara. Dali se divisava, redondo como um anel de noiva, o lago de Tiberíades... Estava em terra galiléia!... De repente começou a chover... A água do céu devolvia à terra sua frescura e sua fecundidade. Jesus sentiu uma alegria imensa em seu coração. Era como se visse pela primeira vez sua querida terra nortista. Era como se a Galiléia, molhada e às escuras, lhe
desse secretamente suas boas vindas.

Jesus: Já estou outra vez aqui, Galiléia, minha pátria, minha irmã!

Terra de Zabulon, terra de Neftali! Caminho do mar, do outro lado do Jordão, Galiléia dos gentios! O povo que andava nas trevas, viu uma luz, sobre os que viviam nas sombras da morte, brilhou uma grande luz! Aumentaste o gozo, fizeste imensa a alegria e se alegram ao ver-te, como os que cantam no dia da colheita. Porque quebraste o jugo que pesava sobre eles, quebraste a cetro do tirano e a bota que pisava com soberba e o manto manchado de sangue serão arrojados ao fogo. Porque um libertador nos nasceu e a paz que ele nos traz não terá fim!



Maria Madalena, tantas vezes mencionada nos evangelhos, era uma prostituta. Maria era um nome de mulher muito freqüente nos tempos de Jesus. “Madalena” faz referência ao seu provável lugar de nascimento, “Magdala”. Então - como ainda acontece agora em muitos lugares - a prostituição, mais que um problema moral, refletia um problema econômico. Uma mulher só e sem trabalho, numa sociedade machista, vê-se empurrada em muitas ocasiões a se vender para poder sobreviver. Sem dúvida, Maria de Magdala seria uma dessas mulheres.
Provavelmente, seria jovem, pois a prostituição se estendia muito entre as meninas de treze ou catorze anos. As imagens tradicionais de Maria Madalena, uma senhora da alta sociedade, com algum deslize sentimental, bem vestida e muito perfumada, não tem nada a ver com a vulgaridade de uma prostituta da classe mais baixa como deve ter sido a Madalena.
Ao conhecer o pensamento de João Batista, Jesus dá um novo passo na consciência de sua própria vocação. Israel ficou órfã, ao lhe ser tirado o profeta que lhe anunciava o projeto de Libertação de Deus. Jesus sente que deve tomar o lugar de João. Retomará sua mensagem de justiça e a levará à sua terra, a Galiléia. Não batizará como João nem esperará que o povo vá em sua busca, mas se misturará com as pessoas como um a mais. E a partir das ruas, dos bairros e das praças, anunciará aos pobres a libertação que Deus promete.
Das margens do Jordão, Jesus se põe a caminho rumo ao Norte. É um trajeto longo, de umas três ou quatro jornadas a pé, que se pode percorrer seguindo a beira do rio através da Peréia e da Decápole, ou tomando a rota das montanhas pela região dos samaritanos.
“Galiléia dos gentios” é um qualificativo que o profeta Isaias havia dado às terras do norte,
uns setecentos anos antes de Jesus. Expressava assim que aquela região, a pátria de Jesus, que nas origens pertenceu a Zabulon e a Neftali, filhos do velho patriarca Jacó, pareciam como que abandonadas por Deus, entregue aos “gentios” (pagãos, estrangeiros). Eram tempos em que os galileus foram feitos prisioneiros e deportados. Sofreram muito e o futuro parecia fechado para eles. O profeta lhes anuncia uma luz no meio de sua escuridão. Quando Jesus começou a anunciar o Reino de Deus em terras galiléias, depois de seu batismo no rio Jordão, Mateus recordou esta profecia de Isaias e a incluiu no seu evangelho.
(Mateus 4,12-17)

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