quinta-feira, 7 de abril de 2011

Capítulo 7 - BATISMO NO JORDÃO

Aquela manhã amanheceu como todas em Betabara, onde João batizava. O céu aberto, limpo, sem uma nuvem, e o vento do deserto soprando com força sobre nossas cabeças, agitando as águas do Jordão. Ainda que nenhum sinal o indicasse, aquela foi uma manhã muito importante. Todos nos recordaríamos alguns anos depois...

Batista: Eu sou somente uma voz, uma voz que grita no deserto!... Abram passagem, deixem livre o caminho para que o Senhor chegue mais depressa! Ele já vem! Não demora! Convertamse, purifiquem-se, mudem o coração de pedra por um coração de carne, um coração novo para receber o Messias de Israel!

Foi naquele dia que Felipe, Natanael e Jesus decidiram por fim batizar-se. Os três puseram-se na fila, espremidos no meio daquela multidão de peregrinos, e entraram nas lamacentas águas do rio...

Batista: Vamos, decide-se! Quer ou não quer batizar-se?
Felipe: Bem, eu...
Batista: Você quer ou não quer apressar o Reino de Deus para que haja justiça na terra?
Felipe: Sim, isso sim, acontece que...
Batista: Mas o que é que acontece com você, galileu?
Felipe: Nada, é que a água e eu não somos bons amigos, sabe? ... Faz muitos meses que... espere, espe...!Glup...!
Batista: Que o Deus de Israel arranque a imundície do seu corpo e da sua alma e que você possa ver com seus olhos o grande dia do Senhor!
Batista: E agora, vamos ver: quem é você? Como se chama?
Natanael: Sou Natanael de Caná da Galiléia.
Batista: Quer se batizar? Quer estar limpo para quando o Messias chegar?
Natanael: Sim, João, quero... eu também quero preparar o caminho e... e colaborar com o
Libertador de Israel...
Batista: Muito bem. Você disse que sim. Pois essa palavra ficará pendurada sobre sua cabeça. Quando o Messias vier, siga-o. Não o atraiçoe porque Deus não trairá você pela palavra que acaba de pronunciar. Está decidido?
Natanael: Sim, profeta, eu... eu quero...
Batista: Aproxime-se e arrependa-se de todas as suas faltas...Ainda que seus pecados sejam vermelhos como o sangue, ficarão brancos como a neve; ainda que sejam negros como o carvão, ficarão limpos como a água da chuva...

E o profeta afundou no rio a cabeça calva de Natanael, como antes havia feito com nosso amigo Felipe e com tantos outros. Chegara a vez de Jesus...

Batista: E você, de onde é?
Jesus: Sou galileu como esses dois. Vivo em Nazaré.
Batista: Em Nazaré? Naquele vilarejo que está entre Naim e Caná?
Jesus: Sim, ali mesmo. Conhece aquilo?
Batista: Tenho familiares lá... Como disse que se chama?
Jesus: Me chamo Jesus.
Batista: Mas, por acaso você não é filho de José e Maria?
Jesus: O próprio, João. Minha mãe me disse que éramos primos meio distantes.
Batista: Sim, é verdade! Caramba, como esse mundo é pequeno!... Você vai ficar algum tempo aqui pelo Jordão?
Jesus: Sim, um par de dias mais...
Batista: Quer batizar-se?
Jesus: Sim, João, foi para isso que vim. Você prega a justiça. Eu também quero cumprir toda a justiça de Deus.
Batista: Está arrependido de seus pecados? De verdade, de coração?
Jesus: Sim, João. Me arrependo de tudo... especialmente ... do medo.
Batista: Do medo? De que você tem medo?
Jesus: Para ser sincero, João... tenho medo dele... tenho medo de Deus. Sim, Deus é exigente e às vezes quer colher onde não plantou. Assusta-me que ele me peça o que não posso dar-lhe.
Batista: Se você se batiza, se compromete a preparar o caminho do Messias. Pense bem antes. Com Deus não valem as desculpas. Se disser “sim”, é sim. Se disser “não”, é não. Decida-se, Jesus: quer se batizar?
Jesus: Sim, João, eu quero que me batize.
Batista: Está bem. Você será mais um a colaborar com o Libertador de Israel.
Jesus: Você fala sempre desse Libertador, João. Mas, onde ele está? Quem é? Aos mensageiros de Jerusalém você disse que não era o Messias que esperamos.
Batista: Claro que não sou eu. Ele vem depois de mim e é mais forte do que eu. Vem depois de mim, mas é primeiro que eu. Eu lhe asseguro, Jesus: se eu o tivesse diante de mim, não me atreveria nem a desamarrar a correia de sua sandália.
Jesus: Mas, quem é, João? Quando virá?
Batista: Ele já veio. Meu coração me diz que o Libertador de Israel já está no meio de nós. Todavia, eu ainda não o vi.
Jesus: E como poderemos reconhecê-lo quando aparecer?
Batista: O Espírito Santo pousará sobre ele como uma pomba, suavemente, sem fazer barulho. O Espírito de Deus nunca faz barulho. É como uma brisa leve. O Messias Libertador chegará assim, sem fazer ruído. Não quebrará o caniço já meio rachado, nem apagará a mecha que ainda dê um pouco de luz... Você não leu o que disse o profeta Isaias? “Este é meu Filho amado, nele se alegra o meu coração”? Esse será o Messias, o filho predileto de Deus...
Batista: Jesus, o que acontece?... você está tremendo.
Jesus: Não, não está acontecendo nada.
Batista: Você está tremendo como os juncos do rio quando o vento do deserto sopra sobre eles!
Jesus: É que... tenho frio.
Batista: Frio? Não está fazendo frio... Como está sentindo frio se seu rosto está queimando?
Jesus: Estou nervoso, João... Por favor, batize-me antes que o medo seja mais forte e me faça mudar de idéia. Batize-me, eu lhe suplico...

O profeta João, aquele gigante tostado pelo sol, levantou energicamenteseu braço, agarrou Jesus pelos cabelos e o afundou nas águas revoltas do Jordão...

Batista: Dá-nos, Senhor, Liberdade; envia-nos o Libertador. Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!

Em poucos segundos, o profeta tirou Jesus da água...

Jesus: Obrigado, João. Já estou mais tranqüilo. Eu me sinto... estou contente, não sei, estou muito contente!... Mas, João, o que você tem?... Agora é você que está tremendo?... João, está me ouvindo?...

Mas o profeta não escutava. Tinha os olhos cravados no céu, como que buscando alguma coisa, esquadrinhando as formas das nuvens e o vôo dos pássaros...

Batista: A voz do Senhor sobre as águas! O Deus da glória troveja!... A voz do Senhor com força, a voz do Senhor como uma tempestade...
Jesus: O que você está dizendo, João?
Batista: Nada, nada... por um momento acreditei escutar... Sabe? No deserto os pássaros falam uma linguagem misteriosa e se vêem miragens no horizonte... Não é nada, não se preocupe...
Um homem: Vamos ver se esse cara acaba logo de uma vez com isso!! Pra que tanta conversa fiada só pra molhar a cabeça!
Uma mulher: Cale essa boca, estúpido! Não tem vergonha de falar desse jeito?
Outro homem: Não empurre não, patrícia, agora é a minha vez!
Jesus: João, gostaria de falar com você quando houver menos alvoroço. Preciso falar com você!
Batista: Sou eu que preciso falar com você, Jesus. Agora volte pra margem. As pessoas ficam impacientes com este calor...

Em pouco tempo Jesus voltou para a orla...

Pedro: Que aconteceu, Jesus?... Por que você demorou tanto?
Jesus: Aproveitei para fazer algumas perguntas a João...
Felipe: Eu pensei que você havia se afogado no rio, rá, rá, rá! Olhe só, tenho água escorrendo por tudo o que é lugar... Demônios, esse profeta tem os braços como duas tenazes; te agarra, te empurra, te mete com o nariz no rio e, zaz!, batizado.
Pedro: O que você lhe perguntou, Jesus?
Jesus: O que você disse, Pedro?
Pedro: O que você perguntou ao profeta João?
Jesus: O que todos lhe perguntam: quem é o Messias, quando vem o Libertador de Israel.
Tiago: E o que ele respondeu? Disse algo de novo?
Jesus: Não, Tiago, o de sempre...
Natanael: Você está com um brilho estranho nos olhos...
Pedro: Fale claro, Jesus! O que o profeta lhe disse?... você ficou muito tempo cochichando com ele...
Jesus: Nada, Pedro, ele me disse... bem, que o Espírito de Deus não faz barulho quando vem. Que é como uma brisa suave: você a sente no rosto mas não sabe de onde saiu nem para onde vai.
Tiago: O que é isso agora? Não é João que vinha o tempo todo falando de fogo, de machado, da cólera de Deus...? Uma brisa suave!... O Messias não será uma brisa suave: será um furacão, uma tempestade de raios!
Jesus: Eu não estou tão seguro disso, Tiago, porque, veja esses caniços... Um furacão romperia os caniços quebrados e apagaria as mechas que ainda têm um pouquinho de luz... E todos nós que estamos aqui não somos frágeis caniços e chamas meio apagadas...? Que seria de nós se Deus soprasse como um furacão? Quem se agüentaria de pé diante dele?
Natanael: Mas, o que está acontecendo hoje com você, Jesus? Está falando de um jeito muito estranho... O que mais o profeta lhe disse?
Jesus: Disse-me que o Libertador... já chegou. Que está no meio de nós.
Pedro: Pois então que saia do seu esconderijo! Ele não contou onde se meteu? Iremos buscá-lo, o levantaremos nos ombros e que comecem as pedradas!
Tiago: Companheiros, a única coisa que eu vejo claro é que aqui neste rio fedorento, não tem como ir procurar o Messias.Vejam todos esses aí na margem... O que é que o Messias vai fazer com eles? Formar um exército de piolhentos e mulheres da vida?
Felipe: Olhem só quem fala! O filho de Zebedeu que tem mais pulgas que pelos na barba!
Tiago: Pode gozar, Felipe... Quando o Messias chegar encontrará você com essa bocarra aberta e vai fechá-la com uma boa porrada! Piolhentos, rameiras e agora idiotas! Boa tropa para o Messias!
Jesus: São caniços rachados, Tiago. O Messias vem para endireitar e não pra dar porradas.
Tiago: Olhe, nazareno, isso soa muito bonito, mas o que está faltando aqui é...
Felipe: Chega de brigas, rapazes! Eu acabo de me batizar e não posso sujar minha boca com maldições. Proponho a gente ir comer uns biscoitos. Já está ficando tarde e, afinal de contas, temos de jogar alguma coisa nas tripas...
Pedro: É isso mesmo! Comer primeiro, discutir depois. André, João, Natanael! Vamos,
companheiros! Você não vem, Jesus?
Jesus: Claro que sim, Pedro, vamos lá...

O sol estava pendurado na metade no céu e envolvia com seu calor a terra ressecada. O rio, o vento e os pássaros do deserto haviam visto como Deus se aproximara das águas do Jordão naquela manhã. Deus buscava Jesus e Jesus escutou sua voz. Algo de grande havia acontecido entre nós, mas então não nos demos conta de nada.



O rito do batismo que João popularizou, significava um reconhecimento público para demonstrar o começo de um caminho de justiça à espera do Messias. Jesus, um entre tantos, se uniu àquele movimento popular aderindo à mensagem de João. Seu batismo será o ponto de partida de uma vida a serviço de seu povo.
Jesus, como verdadeiro homem, foi compreendendo ao longo de sua vida, em contato com os demais, e partindo de diferentes experiências, o que Deus queria dele. Cresceu em idade, seguindo o processo biológico que todos seguimos. Cresceu em sabedoria: por sua abertura a Deus e aos irmãos foi encontrando qual era sua missão. Cresceu em graça: por sua fidelidade a Deus foi fortalecendo seu compromisso de serviço, até dar a vida. Tudo isso que foi um processo, os relatos evangélicos de algum modo concentram no momento do batismo em que Jesus, sensível diante da personalidade e da mensagem de João, teria uma decisiva experiência interior de fé.
Todos vivemos ao longo de nossa vida momentos fortes, nos quais sentimos de forma especial o que devemos fazer, qual nossa vocação, nossa responsabilidade. Momentos em que nos comovemos diante da dor e da injustiça que nos rodeia e encontramos forças para oferecer algo de nossa vida para que as coisas mudem. Momentos em que experimentamos a certeza de que Deus guia nossa existência, de que a história se encaminha para um futuro de esperança, de que os homens e mulheres que nos rodeiam são nossos irmãos. São momentos em que a realidade nos “fala” e nos sentimos lúcidos para saber o que significa essa linguagem. Estas experiências são difíceis de explicar ou traduzir em palavras. Algo assim deve ter vivido Jesus no Jordão quando se batizou.
Para descrever essa experiência interior e fazer-nos ver a importância que teve esse momento na vida de Jesus, os que escreveram o evangelho, a contaram usando símbolos exteriores. O céu se abre: quer dizer que Deus estava perto de Jesus. Desce uma pomba: algo novo vai começar e, assim como o Espírito pairava sobre as águas no primeiro dia da criação do mundo, agora pousa sobre Jesus, o homem novo. Ouve-se a voz de Deus escolhendo Jesus como Filho amado... No entanto, esses sinais não devem fazer-nos esquecer que tanto o começo do compromisso de Jesus, como todo o resto de sua vida, foi algo simples, normal, humilde, sem grandiosidades. É na humildade que Deus quis revelar-se.
Entre os cristãos, o batismo tem o sentido de uma meta: “Salva-se quem se batiza”, mas em Jesus, tem o sentido de um começo. O batismo cristão é um rito pelo qual se reconhece em público, diante da comunidade, que se rompe com o mal (renuncias a Satanás, com suas obras, suas pompas?) e se adere à Boa Notícia de Jesus, comprometendo-se comunitariamente a fazer realidade os novos valores do evangelho.
Os primeiros cristãos que viveram nas terras de Israel, batizavam-se submergindo-se nas
águas do rio Jordão. Os de outros lugares, o faziam banhando-se em um rio ou um tanque. Com o passar dos séculos esse costume foi se perdendo e hoje só restou esse pouco de água que se derrama sobre a cabeça do novo cristão. Os cristãos de rito ortodoxo e alguns outros grupos continuam praticando o batismo por imersão.
(Mateus 3,13-17; Marcos 1,9-11; Lucas 3, 21-22; João 1,29-34

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